terça-feira, 29 de setembro de 2009

GANSOS & PATÊS

A maioria dos pais não está interessada na educação dos seus filhos. Talvez nem saiba o que seja isso.
Tenho uma amiga que, vivendo em uma cidade do interior, viu-se diante da encruzilhada difícil: “Qual a melhor escola para meu filho?” Pôs-se a campo visitando as tidas como as melhores. A cena se repetia. O diretor ou diretora se encontrava com a perspectiva de uma matrícula a mais. Fazia seus melhores esforços para convencer a mãe. Mostrava-lhes salas, laboratórios, quadras de esportes. Terminada a excursão, minha amiga tinha duas perguntas a fazer.
“-O senhor sabe, nosso mundo é competitivo, há o vestibular no horizonte, o mercado de trabalho, e eu gostaria de saber como é que sua escola lida com esses problemas...” O diretor, seguro de sua filosofia de educação, respondia:“-Essa é nossa grande preocupação. Precisamos preparar as crianças para o futuro. Assim, nossos professores são orientados no sentido de apertá-las ao máximo para que sejam vencedoras. Quanto a isso a senhora pode estar tranqüila.” Aí ela continuava:“-Sua resposta me esclareceu muito. Mas há uma última pergunta que quero fazer. As crianças passam apenas um período na escola. No outro período elas ficam com o tempo livre. O que fazer com esse tempo?”Respondia o diretor: “-A resposta a essa pergunta já está implícita no que eu lhe disse. Não permitimos que as crianças tenham esse tempo ocioso. Damos tanta lição de casa que elas têm de trabalhar o dia inteiro...”Aí a minha amiga concluía:“-Sabe, senhor diretor, eu acho que a infância é um tempo tão bonito que é triste apertar as crianças em nome de um futuro hipotético. As crianças não podem viver hoje em função do amanhã.”
Ela peregrinou de escola em escola e era sempre a mesma coisa. Até que chegou a uma periferia, condições físicas precárias, diretor esquisito. Perguntado sobre sua filosofia de educação, ele respondeu: “-Acho que a coisa mais importante para as crianças nessa fase é que elas aprendam a se comunicar. Que aprendam a amar os livros. Que gostem de escrever. Uma criança que ama os livros tem o mundo aberto a sua frente...”
Minha amiga matriculou o seu filho nessa escola e ainda fez propaganda.
É preciso reconhecer que essa amiga anda na direção contrária. A maioria dos pais caminha na outra direção. Querem escolas fortes, que apertem, que preparem seus filhos para o vestibular, que encham o tempo dos alunos com um mundo de lições.
Vi, na antiga revista Life, a foto de um ganso sendo engordado para que seu fígado ficasse dilatado, próprio para ser transformado em patê. O cuidador do ganso segurava sua cabeça apontando para cima, um funil enfiado em seu bico, por onde a comida era enfiada, à força. Terminada a operação, para evitar que ele vomitasse a comida que ele não queria comer, seu pescoço era amarrado. Essa imagem dispensa explicações. Quem é o ganso? Quem é aquele que segura a cabeça do ganso? Quem é aquele que lhe enfia a comida goela abaixo? E o patê? Quem vai comer o patê? De uma coisa eu sei. Não será o ganso...
Rubem Alves
Educador e escritor

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